Insights Comportamentais e Nudges em Políticas Públicas

Entender o comportamento humano no universo do marketing é fator imprescindível para o mundo dos negócios. E há alguns anos venho estudando sobre as inúmeras variáveis que podem afetar a predileção de um consumidor em relação a qualquer marca. Atributos como confiança, sucesso, transparência, excelência, reputação, sempre vem à cabeça quando o assunto é a imagem de uma empresa. Mas e quando o assunto é política pública? Servir bem a todos e a todas. Ter o cidadão na mira do foco. Ter ações balanceadas a todas as classes sociais, gêneros, níveis educacionais, culturas regionais, crenças. Daí tudo fica mega complexo. Eu diria que em alguns casos, problemas quase impossíveis de serem solucionados. Mas será mesmo?

Adoro repetir que Inovação é um Estado de Espírito. O meu sempre está de prontidão. Recentemente concluí mais um ciclo de aprendizado com a realização de dois cursos sobre Insights Comportamentais e Nudge. E não esperem aqui uma aula não. Meu objetivo é apenas o de compartilhar o que tenho visto por aí. Um dos cursos fiz no #Insper e, o outro, na instituição dinamarquesa #Inudgeyou – Grupo de Ciências Comportamentais Aplicadas, especializada no assunto. Nas duas situações aprendi sobre metodologias que podem mudar a maneira com que desenhamos políticas públicas. Ferramentas poderosas que precisam e devem ser testadas por governos e instituições públicas de qualquer país. Na verdade, se olharem o mapa da OCDE logo aqui abaixo, poderão observar o quanto os temas Insights Comportamentais e Nudge têm se espalhado pelo mundo. Esta imagem é de 2018 e não constam as iniciativas brasileiras do NudgeRio, da Prefeitura do Rio de Janeiro, do (011).lab, da Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia da Prefeitura de São Paulo e tão pouco da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Todas com iniciativas comprovadas nestes conceitos.

Mas o que são Insights Comportamentais?

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que desde 2013 apoia instituições públicas a aplicarem o conceito, “Insights Comportamentais é uma abordagem indutiva para a formulação de políticas que combina insights de psicologia, ciência cognitiva e ciência social com resultados empiricamente testados para descobrir como os humanos realmente fazem escolhas”. Aqui já podemos ver que, partindo da premissa de que gestores públicos ao elaborarem políticas públicas “pensam” ou “pressupõem” que sabem o que o cidadão quer, precisa, entende ou vai entender, fica claro o quanto aplicar Insights Comportamentais pode gerar impactos transformadores. Imaginem governos ou instituições públicas investirem recursos públicos em pesquisas aplicadas, cujos resultados virão de testes empíricos? Quem convive em setor público sabe que errar é inadmissível. Mas há iniciativas em dezenas de países que nos asseguram ser possível testar, avaliar os resultados e só depois disso realmente implementar alguma política.

E Nudge???

Já o conceito de Nudge começa a ficar conhecido a partir de 2009, após publicação do livro Nudge, de Richard H. Thaller e Cass R. Sunstein. Richard recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2017 por ter desenvolvido a teoria da contabilidade mental, explicando como as pessoas simplificam a tomada de decisões financeiras. De acordo com a organização, ele venceu o Nobel “por suas contribuições para a economia comportamental” (G1-09/10/2017). O livro é uma aventura que nos leva por conceitos como Paternalismo Libertário e de como influenciar cidadãos/consumidores a tomarem a decisão certa por meio de “um empurrão”, os Nudges.  

Segundo os autores, Nudge é “…qualquer aspecto da arquitetura de escolhas capaz de mudar o comportamento das pessoas de forma previsível sem vetar qualquer opção e sem nenhuma mudança significativa em seus incentivos econômicos.” Ah, é bom reforçar que Nudge “não é uma ordem” e sua intervenção deve ser de baixo custo e fácil de ser evitada. Mas há de se tomar cuidado, segundo os autores. Manipulações, coerções devem ser banidas do processo. Para eles, a melhor forma de se evitar ou reduzir desenhos ruins de intervenções para a aplicabilidade de Nudges é dar liberdade de escolha aos cidadãos e consumidores. Gosto bastante do livro da Maria Alexandra Madi, The Dark Side of Nudge, no qual são apresentadas opiniões de grandes pensadores sobre o assunto. Ela deixa claro quando identificar uma intervenção de manipulação dos vieses cognitivos que todos nós temos e como identificar Nudges.

Bastante subjetivo né? Mas na prática o que se espera com estes conceitos é a transformação comportamental com elevação de níveis de melhorias de vida. Como se alimentar melhor ou não desperdiçar recursos financeiros em aquisições sem necessidades latentes ou no adiamento de pagamentos de tributos – que sempre vem com valores inimagináveis depois, entre outras atitudes. Insights comportamentais e Nudges contribuem para deixarmos mais pesado o lado de uma balança com ações e atitudes racionais, em detrimento dos comportamentos irracionais. Nudges ajudam a reposicionar a atenção que temos em alguma coisa ou situação.

Sua aplicabilidade está diretamente associada a testes controlados que podem ter inúmeros resultados. Um deles é justamente o de reduzir os riscos para os cidadãos e instituições públicas ou privadas por tomadas repentinas de decisão que poderá gerar consequências nocivas ao indivíduo ou ao coletivo. Afinal, o poder de decisão é de todos nós, mas saber usá-lo em um mundo repleto de informações disponíveis – boas ou ruins – é outra coisa.

Metodologia

As metodologias de Insights Comportamentais conhecidas hoje buscam identificar padrões, de preferência os irracionais, analisá-los, sugerir os caminhos para desenvolvimento de estratégias e contribuir para a realização de múltiplas ações com livre escolha do cidadão, de maneira que novos e melhores padrões comportamentais possam, talvez, se sobrepor aos antigos.

SIMPLES MENTE – GNova

Recentemente o laboratório de Inovação GNova, da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), lançou a metodologia SIMPLES MENTE, que nos guia a repensar os desenhos de políticas públicas em prática no País. A ferramenta é bastante intuitiva e nos direciona a não perder o foco no cidadão. A ferramenta abrange os temas fundamentais para entendermos comportamentos e elaborarmos políticas públicas. Vai desde o S, de SIMPLIFICAÇÃO, até o E, de ESCASSEZ. No livro Ciências Comportamentais e Políticas Públicas, Antônio Claret Campos Filho, João Sigora e Manuel Bonduki explicam como usar a metodologia. Para quem quer inovar em gestão pública, basta beber na fonte aqui.

Aprenda como usar a ferramenta SIMPLES MENTE

BASIC – INodgeyou

Chancelado pela OCDE desde 2019, o framework BASIC foi elaborado pelo INudgeyou – Grupo de Ciências Comportamentais Aplicadas, da Dinamarca. Em maio deste ano tive o prazer de conhecer um pouco mais sobre a metodologia em curso ministrado pelo filósofo Dr. Pelle Guldborg Hansen, cientista da Universidade de Roskilde (Copenhague) e um dos responsáveis pela construção da ferramenta voltada a entender o comportamento humano e como novos paradigmas podem ser construídos em gestão pública.

Cada letra da palavra BASIC carrega em si conceitos de Sociologia, Filosofia, Psicologia, Comunicação e ciências comportamentais e inovação. O “B” é BEHAVIOUR (Comportamento) e está relacionado à busca por identificar e melhorar o entendimento do problema. No “A” – ANALYSIS (Análises) é o momento de rever as evidências disponíveis para identificar os comportamentos relacionados ao problema. No “S”– Strategy (Estratégia) é o momento de traduzir a análise para elaboração de estratégias. Em “I” – INTERVENTION (Intervenção) é desenhada e aplicada a intervenção de Insights Comportamentais e Nudges com estratégias endereçadas ao problema e, em “C” – CHANGE (Mudança), é preparado o escalonamento e a sustentação da mudança comportamental que irá resolver o problema inicial.

O significado da metodologia BASIC

Fonte: Tools and Ethics for Applied Behavioural Insights: the BASIC Toolkit (OCDE/2019)

De acordo com a publicação da OCDE, BASIC “…equipa os gestores públicos com ferramentas, metodologias e boas práticas para aplicação de Insights Comportamentais em projetos desde o início até o final do clico de elaboração de Políticas Públicas”. A metodologia BASIC nos conduz a entender com profundidade os vieses cognitivos que acarretam comportamentos a se tornem problemas ou a serem irracionais, podendo afetar o universo coletivo ou mesmo o individual.

“ABCD” – A essência do BASIC

No coração do framework é que encontramos as engrenagens conceituais que nos guiarão ao longo da jornada do BASIC, o “ABCD”. Irei traduzi-lo livremente.

  • ATTENTION (Atenção): Pessoas tem atenção e lembranças limitadas, mas tendem a responder a pistas do ambiente em que vive. Por exemplo, pacientes podem faltar ao agendamento médico. Uma estratégia comportamental poderia ser enviar um SMS de lembrete que inclui o custo dos agendamentos perdidos no sistema de saúde.
  • BELIEF FORMATION (Formação de Crença): Pessoas tendem a subestimar velocidade e ser super confiante quando executam tarefas como dirigir. Por exemplo, motoristas podem dirigir em velocidade em curvas acentuadas, resultando em mais acidentes de carros. Estratégias comportamentais têm incluído faixas brancas nas rodovias para criarem a ilusão de velocidade de modo que as pessoas diminuam a velocidade do veículo.
  • CHOICE (Escolha): Pessoas tendem a se alinhar com o comportamento de outras pessoas e o que os outros pensam é apropriado para elas. Por exemplo: enviar cartas para os clientes comparando o uso de energia elétrica de sua casa com a dos vizinhos, pode levar famílias a aumentar sua eficiência energética.
  • DETERMINATION (determinação): Quando as metas são de longo prazo as pessoas frequentemente têm dificuldades em manter a motivação se deixarem para seus próprios dispositivos a lembrança, sem que haja planos ou feedbacks. Por exemplo, este é o caso frequente para os candidatos que lutam para encontrar trabalho. Estratégias comportamentais têm usado com sucesso um “pacote de compromisso”, que inclui encontros com consultores de empregos para criar um concreto plano de caça ao emprego.

Comportamentos irracionais encontramos exemplos a todo o momento. Agora me veio à cabeça algumas possibilidades: não tomar a segunda dose da vacina contra a Covid-19 ou mesmo deixar de tomar qualquer vacina, comer excessivamente açúcar mesmo sendo diabético, não parar de fumar mesmo tendo um câncer detectado no pulmão, adiar sucessivamente ações que poderiam ser executadas em pouco tempo, justamente porque leva pouco tempo para executá-las, deixar de fazer atividades físicas mesmo sendo cardíaco.

Lógico que ainda estou impactada com a avalanche de informações que recebi dos especialistas dinamarqueses, mas é inegável que a ferramenta BASIC nos oferece caminhos bem estruturados para adaptarmos com durabilidade políticas públicas em qualquer área. Aqui vale mais uma dica extraída do próprio documento da OCDE. Trabalhar com Insights Comportamentais e Nudge é diferente em relação à elaboração tradicional de políticas públicas, porque lida diretamente com informações individuais e de grupos controlados. Então devemos ter todos os olhares para os fatores relacionados à Ética.

Alguns bons exemplos

Estados Unidos – Pensilvânia

Intervenção de Nudge realizada na Pensilvânia, nos Estados Unidos, com o objetivo de encorajar as pessoas a irem tomar a vacina contra a gripe resultou no aumento de 11% em relação à expectativa de presença nas unidades de imunização escolhidas para a ação. Idealizada pelo grupo Behaviour Change for Initiative (BCFG) da Wharton School e pela Escola de Artes e Ciências da Universidade da Pensilvânia a execução ficou por conta do Walmart e de dois sistemas regionais de saúde, o Penn Medicine e o Geisinger. Com o mote “reservada para você”, uma série de SMS foram disparados para milhares de americanos, com periodicidade planejada e com mensagens de engajamento. Não significa que sejam fáceis intervenções assim, mas comprovadamente podem alterar para melhor o rumo de qualquer prosa.

Nudge deve ser de baixo custo e com opção de escolha

Brasil – São Paulo

A iniciativa CopiCola da Secretaria de Inovação e Tecnologia (SMIT) da Prefeitura de São Paulo já realizou inúmeras ações com foco em melhorias nos serviços prestados ao cidadão. Uma delas foi considerada um case: a aplicação de Nudges na cobrança do IPTU. A iniciativa foi desenvolvida pelo (011).lab e pela Secretaria Municipal de Fazenda, com apoio técnico da UNESCO e do Elogroup. O resultado pode ser analisado abaixo. Como sabemos, tudo começa com uma pergunta ou um problema e, no caso da Prefeitura de São Paulo, esperava-se resolver a questão de que mais da metade dos devedores do IPTU parcelado, não regularizavam a situação. Após a realização de profundo diagnostico sobre como era o processo de cobrança dentro da Prefeitura e de como o cidadão “entendia” as mensagens recebidas pelo Poder Público – formulários, e-mails, publicidade, entre outros pontos de contato – efetuaram pequenas e não custosas mudanças no processo de cobrança. Mais informações sobre o Case 14 do CopiCola aqui.

Dinamarca – Copenhague

Desde 2007 é proibido fumar dentro de estabelecimentos públicos na Dinamarca. Apesar da lei ter alcançado resultados excelentes, outro comportamento ficou evidente: as pessoas agora ficavam à frente dos estabelecimentos fumando, aumentando o risco para os não fumantes. O Aeroporto de Copenhague percebendo que o avanço deste comportamento tornava-se um problema, instituiu locais para não fumantes na área comum externa ao aeroporto, localizados especialmente onde havia grande fluxo de pessoas. Mas muitos frequentadores do aeroporto insistiam em fumar nos locais proibidos. A efetividade na mudança comportamental foi baixa. Em 2013, o INudgeyou – Grupo de Ciências Comportamentais Aplicadas realizou intervenção de Nudge no aeroporto utilizando a metodologia BASIC, obtendo redução de mais de 50% no número fumantes que “invadiam” a área de não fumantes para saciar a vontade de fumar. Mais sobre a pesquisa aqui.

Entender primeiro os comportamentos para depois desenhar as políticas públicas e regras sociais. Faz muito sentido. Valeu #Metrosp_oficial pelo tempo concedido para que eu realizasse o curso do INudgeyou em parceria com a Danida Fellow Centre, vinculada ao Governo Dinamarquês. Se não fosse a famigerada pandemia teria sido em Copenhague e não online. Foi tão bom que irei lá um dia só para fazer mais cursos.

Agradeço ter participado do curso a muitas pessoas e instituições. Foi por conta da integração entre conhecimentos, disposição, ousadias e muito, muito trabalho para quebrar barreiras que conseguimos há alguns anos ter novas perspectivas quanto às políticas públicas em transportes e mobilidade urbana e metropolitana. Ter conquistado em 2019 o prêmio em inovação em políticas públicas proferido pela #ENAP, junto com amigos da #EMTU, #Scipopulis e #UITP, me levou a ampliar meus parcos conhecimentos em Ciências Comportamentais, Nudge e Economia Comportamental.

Aos amigos que estiveram na jornada da inovação e me indicaram a representar o grupo no curso, GRATIDÃO.

  • Fabio Antônio de Jesus
  • Luiz Carlos da Silva Santos
  • Fabio Ferreira dos Santos Coelho
  • Vinicius de Azevedo e Barros
  • Sérgio Rodrigues Ivanov 
  • Eliel Paschoal Cardoso
  • Adriana Vilaça
  • Sérgio Leal Maia
  • Rosemeire Zílio Sakamoto
  • Claudia Sayuri Ueti Firmino
  • Esdras Fernando Martins de Oliveira
  • Camila Oliveira Lima da Silva
  • David Rodrigues da Silva
  • Bruna Paz Marques Fonseca
  • Ivo Pons
  • Eleonora Pazos
  • Jurandir Fernandes
  • Joaquim Lopes
  • Arthur Xavier

2 responses to “Insights Comportamentais e Nudges em Políticas Públicas”

  1. Everaldo Valenga Alves Avatar
    Everaldo Valenga Alves

    Excelente relato. Texto motivador para quem quer se dedicar à melhores resultados aos usuários e seus diferentes extratos(moments). Contém detalhes que nos permite um aprofundamento sobre o tema. Adorei Renata. Parabéns e obrigadopor ter compartilhado sua jornada!!!

    1. Oi Everaldo, obrigada. Me fez pensar em buscar mais informações e continuar a escrever.

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